Café, açúcar e cortisol – uma observação necessária

O amargo problema criado pelos que recomendam café amargo [sem açúcar]

[Imagem: kartinki24.ru]

Aqui comentaremos apenas um aspecto particular em relação ao modo de consumo de café.

Outras notas virão tomando o café mais de conjunto, procurando desvelar o café, de fato, como muito mais que um alimento e sim, na linguagem de R. Peat, como um adaptógeno, um promotor do metabolismo que age em vários departamentos da nossa fisiologia.

Na linha oposta há os anticafé que o classificam como uma droga viciante na linha do ópio e um tóxico a ser evitado, portanto.

Nesta nota, de passagem, comentaremos o problema do café como um importante estimulante metabólico. Portanto, que demanda combustível imediatamente. Ele melhora a queima do combustível instantaneamente, melhorando a eficiência metabólica e diminuindo a fadiga [A] mas, por isso mesmo, exige disponibilidade imediata do combustível glicose ou frutose.

E esse é um dos problemas mais frequentes da comunidade anticafé.

Ou seja, infelizmente é extremamente comum, que mesmo certos defensores e estudiosos do café e da cafeína adotem uma estranha posição de falar do café sem mencionar o açúcar ou, até para criticar o consumo de café com açúcar.  Para estes, o café deve ser consumido sem açúcar, com adoçantes. E até descafeinado.

A consequência dessas posições será que, depois – com igual frequência – não irão entender porque o café [cafeinado] pode causar irritação, insônia ou aumentar o cortisol.

Fica impossível entender pelo seguinte: o café [a cafeína] impulsiona o metabolismo, fomenta instantaneamente a queima de açúcar, acelera a queima do combustível açúcar.

Ora, quem imagina por o pé no acelerador de um carro sem ter oferecido antes, gasolinaɁ Com o café é pior. No caso do carro, este simplesmente não irá se mover. Mas com o café, se a pessoa consome café sem açúcar [ou, caso não queira açúcar comum, sem mel de abelha], dependendo da dose de café, não será de estranhar se ela sentir algum desconforto, alguma leve dor de cabeça ou irritação. Cabendo lembrar que a sensibilidade individual importa.

Claro: ao acelerar o metabolismo da queima do açúcar mas sem oferecer, ao mesmo tempo, açúcar ao organismo, haverá uma demanda imediata de açúcar, uma brusca queda do açúcar plasmático, com aumento do cortisol e, em consequência, algum desconforto. Muito previsível, até, seja pela hipoglicemia [queda do açúcar], seja pelo surto de cortisol que lhe seguirá.

No entanto, pouco se pensa nisso. Mesmo aqueles que criticam o café porque “dá nervosismo”, esquecem disso. E alimentam a lenda anticafé.

Aumentar o metabolismo demanda açúcar instantâneamente.

Se o café não vai com açúcar junto, haverá uma imediata instabilidade glicêmica. E o que é que o corpo faz quando o açúcar cai no sangue [hipoglicemia]Ɂ Isso mesmo:  aumenta o cortisol. [B][C]

Fisiologia básica: aumenta o cortisol para produzir o açúcar que está sendo demandado com urgência mas que não chegou de fora.

 Alguns sites falam que o cortisol é um “regulador do açúcar”. Falar assim é  impreciso. O cortisol é acionado quando há hipoglicemia para aumentar a oferta de açúcar corporal, e o faz convertendo tecidos do corpo em açúcar [neoglicogênese]. Disso pouco se fala. Mas é o que o cortisol – dentre outras coisas – faz.

 E cortisol aumentado cronicamente pode contribuir para o desenvolvimento da obesidade, da hipertensão, de alterações no ciclo menstrual, diabetes, fraqueza, alterações nos líquidos corporais e aumento do estrogênio.

E, por isso mesmo, ele é um hormônio do estresse. Um hormônio que não queremos que esteja alto no sangue. E que aumenta na madrugada por conta do jejum [jejum = queda do açúcar].

O café, portanto, é um importantíssimo estimulador metabólico desde que você ofereça açúcar junto. E, no entanto, vamos encontrar experiências científicas afirmando simplesmente: café aumenta cortisol [B][C] e daí muita gente sai repetindo: café estressa, café estressa, café estressa.

É um pensamento bem parcial, que esconde parte do processo, isto é, aparentemente deixa de enxerga o papel central do café, da cafeína, como promotores da respiração mitocondrial, de uma queima mais eficiente do açúcar, portanto, do seu papel tireoide-like. Portanto, sim, café sem açúcar estressa.

E se já é um baita problema tomar café sem açúcar, imagine café com adoçante artificial. Por essa via, teremos aumentado o estresse e também a chance de um câncer. Quem toma adoçante artificial deveria procurar se informar sobre sua toxicidade. Ou - em outra linha de pensamento - questionar seu paradigma de tomar lixo industrial diariamente sem se questionar.

Outros sites de “boa saúde”, mesmo escritos por médicos, propõem que não se tome o café logo pela manhã, no desjejum, “porque” o cortisol está alto e o café “aumenta o cortisol”. Uma contradição: o café com açúcar acelera o metabolismo e, por isso, diminui o cortisol.

É, portanto, exatamente o contrário: sim amanhecemos com o cortisol alto – hormônios do estresse se acumulam durante o jejum da madrugada – mas, por isso mesmo, o café com açúcar é benvindo; açúcar diminui cortisol, e café com açúcar eleva o metabolismo.

 Falta conhecimento de fisiologia aqui, por isso propõem que só se tome café quando o cortisol esteja baixo, invertendo assim as coisas.

Tampouco é correto, como dizem certos sites de fitness, que consumo de café “aumenta” cortisol, assim como não é certo, como também dizem, que exercício “queima” cortisol. Exercício errado tende a aumentar o cortisol.

[Imagem: runnersconnect.net]

O café só aumenta o cortisol se vier sem o combustível [glicose, frutose] e exercício extenuante aumenta cortisol.  O mesmo site tem que reconhecer que a cafeína aumenta a disposição, acelera o metabolismo basal, mas esquece de dizer que  justamente por isso não pode ser usado sem açúcar. A contradição desse mesmo site também aparece quando propõe como saudáveis alimentos que inibem o metabolismo [tipo amêndoas e outros portadores de óleos insaturados].

Sites de “vida natural” – escritos por médicos e PhDs em nutrição  - que são contra café, contra o açúcar, contra cafeína, e por aí afora, alegam que café é um tóxico que provoca um vício porque é, dentre outras coisas um estímulo “artificial que esgota o corpo e a mente”, podendo provocar crises de mal-estar e até depressão; e advertem sobre a “crise de abstinência” do café;  e que para se conquistar a boa saúde  é preciso evitar o café, para não aumentar o nível de estresse; recomenda enfaticamente evitar hábitos  tóxicos como o café, que traz prejuízos para “o corpo e a mente” e pode dar hipertensão

A internet está povoada por sites assim, anticafé, que declaram que o café é uma droga e deve ser tratado como droga que cria dependência, ou que café dá osteoporose, câncer.

Site de “boa saúde” aqui de Brasília, chega ao extremo de afirmar que cortisol aumenta a energia e que agregar café quando já há bastante energia - cedinho - piora as coisas, deixando a pessoa nervosa.

Nada se salva dessa “explicação”. O cortisol é hormônio do estresse, portanto, deprime a taxa metabólica – que estará mais inibida quando você acorda, quando está muito cortizolisado – e o café com açúcar estimula a taxa metabólica.

Na madrugada, o cortisol estava criando açúcar a partir da destruição de tecidos – durante as horas de jejum – e  é somente na hora que o café com açúcar chega que vira o jogo. Pode ser outra coisa, um suco de laranja doce, já que o inegociável aqui é o açúcar.

Oferecer açúcar – melhor ainda frutose das frutas - é antagonizar o cortisol. Portanto, café com açúcar [com leite melhor ainda] é benvindo ao despertar. Estimula um metabolismo que estava mantido por hormônios do estresse como cortisol e adrenalina. O metabolismo baseado no açúcar é mais alto. Baseado no cortisol é mais inibido.

Outros sites de “boa saúde”, a exemplo dos da Uol, vão na mesma direção, de que não se deve tomar café quando o cortisol está alto e falam que tanto faz tomar café com açúcar como sem açúcar. Propõem muitas vezes café sem açúcar ou só com adoçante artificial. Bem maluco. Adoçante artificial, químico, não é opção de saúde, o que já diz muito sobre o próprio site [adoçante lover e açúcar fóbico].

 Há sites, também de “boa saúde” que até citam o FDA para argumentar que não se deve ultrapassar os 400 mg por dia de cafeína ou o café será prejudicial, causará estresse, nervosismo, e propõem diretamente o café descafeinado “porque não aumentará o cortisol” [D]. Non sense.  Certas doenças hepáticas são tratáveis com café e em doses bem maiores [como veremos em outras notas].

Mas o site é obrigado a reconhecer aquilo que a ciência já repisou mais de uma vez: café – eles não mencionam açúcar, claro – aumenta a longevidade, dá energia, disposição, aumenta a concentração, previne doenças. Muito bem, ao menos isso.

GM Fontes, Brasília, 15-5-23

As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana.  Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com  fins estritamente educativos.

Referências _________________

[A]  WAGNER J C, 1989. Am J Hosp Pharm. 1989 Oct;46(10):2059-67. Abuse of drugs used to enhance athletic performance. Am J Hosp Pharm. 1989 Oct;46(10):2059-67.  PMID: 2683762 “The ergogenic potential of drugs used by athletes to enhance performance is reviewed, and areas of involvement for pharmacists interested in the problem of drug abuse in athletics are described. Athletes use drugs for therapeutic and recreational purposes, as supposed ergogenic aids, and to mask the presence of other drugs during testing. Because many athletes train for competition and not for health, they may view the risk-to-benefit ratio of ergogenic drugs as favorable and may begin using them at an early age. Alcohol is the drug most commonly used by student athletes. Although alcohol has no ergogenic benefit, it is viewed as a caloric source and an anxiolytic. Amphetamines do not prevent exhaustion but may mask fatigue, which can have dangerous consequences. Anabolic steroids appear to increase strength but frequently cause adverse reactions, primarily involving the hepatic and endocrine systems. Beta-blocking agents have been shown to reduce anxiety, hand tremor, and heart rate in precision sports like archery, but susceptible persons may experience serious adverse effects. Caffeine improves the efficiency of fuel use and reduces fatigue; its use has been banned by several athletic organizations. Neither cocaine nor marijuana causes any increase in strength. Secretion of human growth hormone may be stimulated by a variety of agents, but evidence that any subsequent increases in size and weight occur is lacking. Other substances tried by athletes include vitamins and minerals, naloxone, albuterol, and human recombinant erythropoietin. Opportunities in sports pharmacy exists in the areas of information retrieval and interpretation, drug testing, legislation to reclassify drugs, education, and research.(ABSTRACT TRUNCATED AT 250 WORDS)”  Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/2683762/

[B]  LOVALLO, W R, Al´ABSI, M, 1996. Stress-like adrenocorticotropin responses to caffeine in young healthy men. Pharmacol Biochem Behav. 1996 Nov;55(3):365-9. doi: 10.1016/s0091-3057(96)00105-0.  PMID: 8951977  DOI: 10.1016/s0091-3057(96)00105-0 “The effects of oral caffeine (3.3 mg/kg, equivalent to 2-3 cups of coffee) on plasma adrenocorticotropin (ACTH) and cortisol (CORT) were tested in 47 healthy young men at rest in a double-blind, placebo-controlled, crossover study. Following caffeine, ACTH was significantly elevated at all times from 30 min to 180 min, and CORT was elevated from 60 min to 120 min (Fs > or = 8.4, ps < 0.01). Peak increases relative to placebo were: ACTH, 33% (+5.2 pg/ml) and CORT, 30% (+2.7 micrograms/dl) at 60 min postcaffeine. The results suggest that caffeine can activate important components of the pituitary-adrenocortical response in humans during the resting state. Caffeine's known ability to increase CORT production appears at least partly due to an increase in ACTH release at the pituitary”   [...]  “Caffeine in dietary doses increases both adrenocorticotropin (ACTH) and cortisol secretion in humans (15). Caffeine's effect on glucocorticoid regulation therefore has the potential to alter circadian rhythms and to interact with stress reactions. By extension, these cortisol alterations may have implications for health if maintained in the face of daily caffeine intake”.  Invariavelmente são experiências feitas utilizando cafeína pura, sem açúcar.

 [C]   LOVALLO W R, WHITSETT, T L, 2005. Caffeine Stimulation of Cortisol Secretion Across the Waking Hours in Relation to Caffeine Intake Levels Psychosom Med. Author manuscript; available in PMC 2008 Feb 27. Published in final edited form as: Psychosom Med. 2005; 67(5): 734–739. doi: 10.1097/01.psy.0000181270.20036.06   PMCID: PMC2257922  NIHMSID: NIHMS40260  PMID: 16204431   Methods - Men (N = 48) and women (N = 48) completed a double-blind, crossover trial conducted over 4 weeks. On each week, subjects abstained for 5 days from dietary caffeine and instead took capsules totaling 0 mg, 300 mg, and 600 mg/day in 3 divided doses. On day 6, they took capsules with either 0 mg or 250 mg at 9:00 AM, 1:00 PM, and 6:00 PM, and cortisol was sampled from saliva collected at 8 times from 7:30 AM to 7:00 PM.  Conclusion  Cortisol responses to caffeine are reduced, but not eliminated, in healthy young men and women who consume caffeine on a daily basis. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2257922/   Como sempre, oferecem o café sem o combustível. Obviamente o cortisol entrará em cena para suprir o açúcar que não chegou.

[D]    https://coffeewitness.com/does-coffee-increase-cortisol/

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