Rato com frio prefere água salgada
Propriedades do sal no metabolismo: termogênese, combate ao frio.
[Imagem: russalt-sz.ru]
Em notas futuras retomaremos o tema do sal e suas propriedades anti-inflamatórias, redutoras da hiperpermeabilidade vascular e como estimulante imunológico; e ao mesmo tempo estimulante metabólico. O sal funciona como um alimento protetor na doença degenerativa também no câncer, na arteriosclerose como veremos, repito, em notas posteriores.
De antemão, registramos que uma das explicações para as propriedades do sal residemna relação estreita entre o sal e o sistema SRAA, isto é, o sistema renina-angiotensina-aldosterona. Falta de sal nos nossos sistemas tem como efeito instantâneo o disparo daquele sistema inflamatório.
Muitos problemas de saúde decorrerão do acionar do sistema renina-angiotensina-aldosterona em decorrência da carência alimentar de sal [principalmente em pessoas que perdem sal cronicamente, caso do portador de hipotireoidismo].
Nosso tema hoje é mais simples. Tem a ver com o poder termogênico do sal.
Vamos tomar como ponto de partida, uma experiência feita com ratos e a oferta de água com ou sem sal.
Ratos foram colocados em um ambiente onde havia uma temperatura de resfriamento. Os animais sentiam frio, abaixo de 10 graus centígrados. O seu comportamento, diante de bebedouros com ou sem sal foi curioso e seletivo.
Tomados pelo frio, espontaneamente preferiam beber a água que era ligeiramente salgada e não optaram por água fresca, sal zero.
Esse resultado, uma vez computado, mostrou, significativamente, que ao perder temperatura, ratos optam pela água mais salgada, tendem a uma maior ingesta de sal.
Como foi a experiência.
Dois grupos de ratos foram expostos ao frio de 7-9º C durante 6 horas por dia por quatro dias. Mas somente um dos grupos pôde escolher entre água fresca sem sal e água com 0,9% de sal. Testes de sangue foram feitos nos animais.
O resultado [A] foi que o consumo da água com sal no grupo que podia escolher foi abertamente sistematicamente continuado durante o frio; também nas nove horas depois da exposição ao frio. Quando não havia frio, não iam atrás da sua dose de sal.
Os cientistas sabem que o frio aciona adrenalina e atividade do SRAA já que este joga um papel importante no apetite pelo sal. Perceberam que mais frio, se traduziu em mais vontade de consumir sal. Mas erram na avaliação teórica: esse sistema renina é acionado por falta de sal. Não pelo sal.
Então, muito provavelmente, os ratos sob efeito da adrenalina/cortisol acionados pelo estresse do frio, tiveram perda de sal [cortisol inibe a tireoide e esta faz o sistema perder sal]. E sentiram falta de sal. E sentiram o efeito-sal, um efeito termogênico já que, como veremos em outras notas, a chegada do sal aciona o metabolismo celular, a produção de energia, de calor.
Mas concluíram, desta vez corretamente, ao final, que o consumo induzido de sal durante o frio ajudou a manter a temperatura corporal. Funcionou como termogênico. Outra experiência, anterior, tinha assinalado esse mesmo efeito do sal [B].
Parte do efeito dos sódio envolve processos regulatórios no cérebro e seu impacto na relação sódio cálcio, e ao diminuir o cálcio intracelular faz com que o metabolismo do corpo volte a produzir mais energia. Um dos mecanismos de ação do sal é que ele aumenta a produção do CO2 mecanismo que explica porque o sal protege contra processos inflamatórios e excitatórios na célula. E se a relação cálcio-sal se altera, no intracelular, em favor do cálcio - por exemplo, por conta do aumento do cortisol -, a célula se afasta da termogênese.
A oferta/chegada do sal na célula vai contra a retenção de cálcio e a favor do aumento da temperatura. Portanto, reiterando, a falta do sódio permite o aumento do cálcio intracelular, inibindo o efeito efeito termogênico. Com o envelhecimento dos tecidos, estes se tornam mais suscetíveis a tais mecanismos e à carência de sódio.
Independente da discussão desse mecanismo, que é bem mais complexo do que é possível formular em uma introdução, o fato, portanto incontornável, e que a experiência demonstrou, foi que o sal tem o efeito termogênico.
Simplesmente agregar a sala dieta dos animais promoveu maior produção de calor corporal.
Agregou mais resiliência ao frio, mais saúde.
Essas experiências, na sua simplicidade, elucidam uma questão que costuma ser pouco analisada na discussão usual de alimentação, particularmente do sal. Isto é, sal está implicado em uma boa resposta metabólica e por uma elevação da capacidade de produção de calor.
Sendo que, como veremos futuramente, o sal é mais que isso e seu papel é central no metabolismo humano.
GM Fontes, Brasília, 16-12-23
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos.
Referências ______________________
[A] DEJIMA Y FUKUDA S ICHIJOH Y, 1996. Cold-induced salt intake in mice and catecholamine, renin and thermogenesis mechanisms. Appetite. 1996 Jun;26(3):203-19. doi: 10.1006/appe.1996.0016. PMID: 8800478 DOI: 10.1006/appe.1996.0016 “Cold induces increased intake of salt in mice. To examine involvement of renin and catecholamines, male ICR mice were exposed to cold (7-9 degrees C; 6 h/day; 4 days), and half of them were allowed to choose between water and 0.9% NaCl. Plasma renin activity (PRA) and catecholamine concentrations in plasma, adrenal gland, kidney, brown adipose tissue (BAT) and brain were examined in three phases: for 9 h before exposure to cold, during 6 h of cold exposure and for 9 h after the exposure. The amount of salt intake from NaCl solution and from food, PRA and noradrenaline (NE) concentrations in kidney and medulla oblongata were higher during cold and the 9 h after exposure to cold than during the 9 h before the exposure. These results are consistent with the suggestion that cold induced catecholamine metabolism enhanced activity in the renin-angiotensin system, which played an important role in the arousal of salt appetite. During cold exposure, concentrations of NE and dopamine in BAT were higher in mice with access to NaCl solution than those without NaCl to drink. These results suggest that cold-induced salt intake enhanced non-shivering thermogenesis, and are consistent with our previous report that high salt intake helped to maintain colonic temperature under cold exposure.
[B] BRYANT K R ROTHWELL N J, 1984. Influence of sodium intake on thermogenesis and brown adipose tissue in the rat. Int J Obes. 1984;8(3):221-31. PMID: 6086543 “Presenting rats with a 0.9 per cent sodium chloride solution to drink instead of water had little or no effect on body weight gain and food intake, but resting oxygen consumption and total energy expenditure (corrected for body size) were elevated, and thermogenic responses to both noradrenaline and a meal were enhanced. Brown adipose tissue (BAT) mass and protein content were significantly elevated in saline treated rats, but mitochondrial GDP-binding capacity was depressed. Basal Na+, K+-ATPase activity was slightly increased in BAT homogenates from rats given saline, but noradrenaline-stimulated enzyme activity was much greater than control values. In rats drinking 1.8 per cent saline, energy intake, body weight gain and the efficiency of gain (g gain/MJ eaten) were all markedly depressed. BAT mass, corrected for differences in body size, was slightly greater than controls and the protein content of BAT was increased by 45 per cent. Rats allowed 0.9 per cent saline to drink for 7 d, and then presented with a palatable cafeteria diet, showed a more rapid rise in metabolic rate than cafeteria-fed animals drinking water. This difference was apparent only over the first 3-4 d of cafeteria feeding, and energy balance over 14 d was similar for both groups. These data show that increasing sodium intake with isotonic saline has very little effect on food intake or resting metabolic rate, but causes a marked increase in thermogenic capacity and responses to food or noradrenaline, probably because of an increase in active BAT mass. Changes in plasma ion concentrations or osmolarity, therefore, could be involved in the thermogenic response to food”.
Este estudo menciona a gordura marrom [BAT], que será tema em outra nota. De passagem e de imediato podemos registrar o seguinte. Existe uma gordura abdominal conhecida, em inglês, como BAT, brown adipose tissue, que tem a ver com obesidade: ela é incensada por vários meios, porque dissiparia calor contribuindo para a perda de peso [E]. Ela produziria geração adaptativa de calor, que dissipa gorduras [via termogênese, no caso] em pessoas com extrapeso; supõem que disfunções no funcionamento termogênico dessa gordura levariam a aumento da obesidade em animais [C]. Por sua vez, a atividade termogênica da gordura marrom – como de qualquer gordura abdominal - é ativada pelo frio e demanda produção de energia pelo organismo. Ao mesmo tempo em que parece ser inibida pelo cortisol [D]. Não é nosso tema aqui. Mas citamos alguma coisa a respeito.
“There is good experimental evidence showing that brown adipose tissue (BAT) is involved in the adaptive thermogenesis observed in rats fed a varied and palatable "cafeteria" diet. [...] Thus, a defective thermogenesis seems to be a cause, rather than a consequence, of obesity in these animals. In man, the role of thermogenesis in energy balance regulation is not yet understood”. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/6357848/ “Thermogenic activity of BAT was stimulated by cold and by a meal that induced a parallel increase in energy production. These stimulatory effects on BAT thermogenesis were inhibited by glucocorticoids”. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29895717/
“Since the recent rediscovery of brown adipose tissue (BAT) in adult humans, this thermogenic tissue has been attracting increasing interest. The inverse relationship between BAT activity and body fatness suggests that BAT, because of its energy dissipating activity, is protective against body fat accumulation. Cold exposure activates and recruits BAT, resulting in increased energy expenditure and decreased body fatness”. PMID: 32373072 PMCID: PMC7186310 DOI: 10.3389/fendo.2020.00222 Existe, de toda forma, uma contradição a ser levada em conta na abordagem corrente, médica, da gordura marrom, em todo caso, que será, como foi dito, tema de outra nota.
[C] CASSIS, L LAUGHTER A, FETTINGER M, 1998. [Cold exposure regulates the renin-angiotensin system.] J Pharmacol Exp Ther. 1998 Aug;286(2):718-26. PMID: 9694926 “The effect of cold exposure on the systemic renin-angiotensin system and on regulation of the angiotensin II (Ang II) receptor was examined in target organs for Ang II with cardiovascular relevance (left ventricle, kidney, lung) and metabolic relevance [interscapular brown adipose tissue (ISBAT), liver] to the functional consequences of cold exposure. In time course studies, the effects were examined of 4 hr or 1, 3 and 7 days of exposure to cold (4 degrees C) on plasma Ang II concentration and Ang II receptor binding characteristics in rat liver. Plasma Ang II concentration increased 10-fold after 4 hr of cold exposure, returned to control levels at days 1 and 3 of cold exposure, and was again increased (2-fold) at 7 days of cold exposure. The affinity of [125I]Sar1, Ile8-Ang II binding in membranes prepared from rat liver was not altered in cold-exposed rats. The density (Bmax) of binding sites in liver from cold-exposed rats was increased by day 1 and remained elevated over time-matched controls. Alterations in Ang II receptor density did not parallel plasma Ang II concentration in their time course, suggesting that cold-induced regulation of the Ang II receptor was not substrate mediated. In rats from the 7-day time point of cold exposure, Ang II receptor binding characteristics were examined in ISBAT and lung. Increases in Ang II receptor density were evident in ISBAT but not lung. To determine whether cold-induced increases in food intake contributed to elevations in plasma Ang II concentration and/or Ang II receptor density, a group of cold-exposed rats (7 days) were pair-fed to food intake levels of control rats. Pair-feeding of cold-exposed rats eliminated increases in plasma Ang II and norepinephrine concentration but did not prevent increases in Ang II receptor density in liver, ISBAT, kidney and left ventricle. Moreover, increases in Ang II receptor density were augmented in kidney and left ventricle from cold-exposed rats that were pair-fed. Results from these studies demonstrate that cold exposure resulted in an increase in plasma Ang II concentration through mechanisms related to increased food intake. Elevations in food intake in cold-exposed rats contributed to tissue-specific increases in Ang II receptor density. Moreover, cold-induced increases in Ang II receptor density were not related to plasma Ang II concentration”. Há quem argumente que, no estado de frio, o SRAA [sistema renina-angiotensina-aldosterona], diante da elevação do consumo alimentar, aumenta angiotensina II e esse seria um mecanismo de controle do frio [C]; esta abordagem ignora o papel do sal como inibidor do SRAA e, portanto, caso a experiência fosse feita com sal, o resultado desta experiência muito provavelmente seria diferente [o acionamento do sistema renina seria, em seguida, pacificado pelo sal, no caso].
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