O ácido lático é ativo protagonista na construção do câncer
FISIOLOGIA - O ácido lático ou lactato é uma molécula que aparece quando cai a produção de CO2; lactato costuma ser produzido no câncer.
Não é muito comum que a medicina oficial chame a atenção para o ácido lático [ou sua forma ionizada, o lactato] como um agente patogênico ou, ao menos, implicado no mecanismo de construção de doenças, especialmente o câncer.
Em alguns ambientes ele é visto como uma simpática molécula que aparece no sangue de quem se exercita de forma um pouco acima do aceitável, fisiologicamente. Em outros ele é a inocente molécula que dá o gosto ácido ao iogurte. Certo.
Mas o ácido lático também aparece no plasma quando a pessoa está produzindo pouco CO2, isto é, quando aparece dificuldade na respiração oxidativa [fosforilação oxidativa: OXPHOS], incapacidade de queima do açúcar até o final.
O que é pouco lembrado e que o artigo abaixo explora em algumas direções é o problema que dá título ao texto: Lactato – um ator chave no câncer [A]. Os autores começam explicando que quando há um câncer em desenvolvimento a pessoa tende a acumular ácido lático mesmo em repouso.
E que medir o ácido lático [ou lactato] permite ter um prognóstico das metástases e da sobrevida geral dos pacientes, conforme demonstrado em vários estudos.
Os autores acrescentam que ”as metástases tumorais são promovidas pela secreção de hialuronano induzida pelo lactato em fibroblastos associados ao tumor e que criam o ambiente favorável para a migração”[A] das células malignas. O próprio lactato, em si, favorece migração de células malignas.
O lactato também contribui para o escape imune das células cancerosas.
E é também ele que estimula a formação de novos vasos na região tumoral, através da secreção induzida pelo lactato de VEGF [fator de crescimento endotelial vascular], resultando em novos vasos, a temível angiogênese.
Outro trabalho [B] desenvolve o mesmo tema, da complexa [e viciosa] relação ácido lático-câncer. E explica que através de várias vias bioquímicas “o lactato reforça o comportamento maligno das células cancerosas”[B], o que inclui a ativação da síntese de hialuronano, exacerbação do crescimento de novos vasos, e ativação do fator 1-alfa indutor de hipóxia além de estimular diretamente a capacidade de metastatizar das células malignas“[B].
“Dessa forma, a acumulação de lactato não apenas reflete, mas ativamente reforça o grau da malignidade tumoral” [B].
O lactato opera como causa e como efeito; já que o próprio câncer é uma fábrica de lactato e, na outra direção, o câncer costuma começar por um defeito respiratório que promove a produção de lactato. Sim, estamos diante de uma molécula oncogênica.
O ácido lático é produzido, como se sabe, pela glicólise ou respiração anaeróbica das células [mesmo na presença de oxigênio, caso do câncer], uma via primitiva de queima do açúcar – tipo fermentação – que não vai além do produto ácido lático. A respiração normal, oxidativa, vai até o CO2, como se sabe.
Quando a célula gira da produção de CO2 – que é seu normal fisiológico – para a síntese de ácido lático, várias consequências metabólicas negativas se desenvolverão em consequência.
O pH intracelular, por exemplo, aumenta, gerando problemas como o aumento da afinidade por metais com carga positiva, a ionização negativa de proteínas do citoplasma e assim por diante.
De toda forma, se o organismo – naturalmente, neste caso, em estresse – diminui a produção de CO2, necessariamente aumentará a de ácido lático.
Terá havido uma mudança metabólica, uma dificuldade de ir até o fim na queima do açúcar. Menos CO2 no sistema, implica, dessa forma, em mais lactato.
E, como já foi dito, o câncer é um produtor de lactato [como também o exercício extenuante].
O lactato entra naquela regra: melhor não tê-lo circulando. Ele é sinônimo de estresse. E promoverá, se sua presença for continuada ou frequente, uma série de doenças crônico-degenerativas, naturalmente através de outros mediadores que ele aciona [incluindo cortisol e estrogênio].
Com muito lactato, apessoa estará em algum grau de acidose metabólica, moderada ou não, isto é, baixo CO2 e alto ácido lático. Essa situação poderá ser revertida, em vários casos, simplesmente oferecendo CO2 aos sistemas.
Os níveis ótimos de CO2 no organismo são um sinônimo de saúde.
Lactato termina cursando com doença. Já que expressa um declínio no estado oxidativo [queima oxidativa do açúcar]. O CO2, quando oferecido às células, acidifica o citoplasma [CO2 é um ácido de Lewis], também suas proteínas, corrigindo rapidamente parte do estresse redutivo, retirando elétrons em excesso. Reverte o quadro redox criado pelo ácido lático. Antagoniza com o lactato.
Estamos diante de duas moléculas master do nosso metabolismo, que é preciso entender e às quais voltaremos em notas sobre o metabolismo do câncer, mas também quando o tema for o papel terapêutico do CO2.
GM Fontes, Brasília, 6-11-23
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos.
Referências_______________________
[A] HIRSCHHAEUSER F, SATTLER, U G A, 2011. Lactate: a metabolic key player in câncer. Cancer Res. 2011 Nov 15;71(22):6921-5. doi: 10.1158/0008-5472.CAN-11-1457. PMID: 22084445 DOI: 10.1158/0008-5472.CAN-11-1457 “Increased glucose uptake and accumulation of lactate, even under normoxic conditions (i.e., aerobic glycolysis or the Warburg Effect), is a common feature of cancer cells. This phenomenon clearly indicates that lactate is not a surrogate of tumor hypoxia. Tumor lactate can predict for metastases and overall survival of patients, as shown by several studies of different entities. Metastasis of tumors is promoted by lactate-induced secretion of hyaluronan by tumor-associated fibroblasts that create a milieu favorable for migration. Lactate itself has been found to induce the migration of cells and cell clusters. Furthermore, radioresistance has been positively correlated with lactate concentrations, suggesting an antioxidative capacity of lactate. Findings on interactions of tumor metabolites with immune cells indicate a contribution of lactate to the immune escape. Furthermore, lactate bridges the gap between high lactate levels in wound healing, chronic inflammation, and cancer development. Tumor cells ensure sufficient oxygen and nutrient supply for proliferation through lactate-induced secretion of VEGF, resulting in the formation of new vessels. In summary, accumulation of lactate in solid tumors is a pivotal and early event in the development of malignancies. The determination of lactate should enter further clinical trials to confirm its relevance in cancer biology”.
[B] WALENTA S, MUELLER-KLIESER W F, 2004. Lactate: mirror and motor of tumor malignancy. Semin Radiat Oncol. 2004 Jul;14(3):267-74. doi: 10.1016/j.semradonc.2004.04.004. PMID: 15254870 DOI: 10.1016/j.semradonc.2004.04.004 “A number of studies have shown that malignant transformation is associated with an increase in glycolytic flux and in anaerobic and aerobic cellular lactate excretion. Using quantitative bioluminescence imaging in various primary carcinomas in patients (uterine cervix, head and neck, colorectal region) at first diagnosis of the disease, we showed that lactate concentrations in tumors in vivo can be relatively low or extremely high (up to 40 micromol/g) in different individual tumors or within the same lesion. In all tumor entities investigated, high concentrations of lactate were correlated with a high incidence of distant metastasis already in an early stage of the disease. Low lactate tumors (<median of approximately 8 micromol/g) were associated with both a longer overall and disease-free survival compared with high lactate lesions (>8 micromol/g). Lactate dehydrogenase was found to be upregulated in most of these tumors compared with surrounding normal tissue. Numerous recent reports support these data by showing various biological activities of lactate that can enhance the malignant behavior of cancer cells. These mechanisms include the activation of hyaluronan synthesis by tumor-associated fibroblasts, upregulation of vascular endothelial growth factor and of hypoxia-inducible factor 1alpha, and direct enhancement of cellular motility that generates favorable conditions for metastatic spread. Thus, lactate accumulation not only mirrors but also actively enhances the degree of tumor malignancy. We propose that determination of lactate in primary tumors may serve as a basis of a novel metabolic classification, which can lead to an improvement of prognosis and therapy in clinical oncology”.
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