A inseparável relação entre cortisol, insulina e diabetes - lições da síndrome de Cushing
RESUMOS DE FISIOLOGIA HUMANA 3 - A conturbada relação entre insulina e cortisol
[Imagem: womanadvice.ru - Mulher com síndrome de Cushing]
Quando a pessoa desenvolve, por exemplo, um determinado tumor de hipófise [ou, se por prescrição médica, faz uso prolongado do cortisol] tem a chance de desenvolver uma doença grave chamada de doença de Cushing [A] ou síndrome.
É a doença ou síndrome da pessoa que tem excesso de cortisol nos sistemas. Um modelo, no caso, para se ter uma ideia do que o cortisol é capaz se chegar a níveis altos e crônicos.
A característica central dessa doença de níveis cronicamente altos de cortisol no plasma são: um particular tipo de obesidade [central] no tronco, face inchada, em lua, pernas e braços finos, pele fina e atrófica, acúmulo de gordura abaixo da nuca [giba], hematomas fáceis, desgaste muscular, má cicatrização de ferimentos, estrias violetas na pele, tendência a hipertensão, osteoporose e intolerância à glicose [resistência insulínica]. Enfim, um pré-diabetes.
O diagnóstico é feito de algumas maneiras e, uma delas é através do teste de supressão do cortisol pela dexametasona [B]. O paciente recebe uma dose alta de cortisol e verifica-se, horas depois, com exame de sangue, se os níveis de cortisol continuam altos ou se caíram. Se altos, diagnosticam a síndrome.
Pelo teste se vê que mesmo injetando cortisol nos sistemas, os feedbacks do organismo estão “programados” para não parar. Com a pessoa não tendo ainda aquela síndrome, a chegada de cortisol inibiria a síntese endógena, do corpo, por via de feedback.
Para nossa reflexão aqui interessa considerar um elemento clínico dessa história. O paciente portador daquela doença de cortisol constantemente alto apresenta, ao mesmo tempo e não por acaso, hiperinsulinemia e hiperglicemia.
Estamos diante do efeito esperado, fisiologicamente previsível, do cortisol alto.
Em certo sentido essa pessoa está sofrendo de um estado diabético.
Pois bem, o exame também induz esse estado, já que a pessoa recebe, de uma vez, uma megadose de cortisol dos mais potentes. O objetivo é, como foi dito, ver se o cortisol plasmático cairá, pela resposta fisiológica da adrenal à chegada do hormônio; neste caso, teríamos uma pessoa normal que apenas estava com o cortisol funcionalmente [e reversivelmente, portanto] alto.
No caso daquele estado diabetogênico induzido pelo teste, ele é obviamente transitório, se a pessoa é normal, já que à medida que o corpo foi eliminando o excesso de cortisol do teste, nos próximos dias, a tendência será a da queda da insulina e do açúcar no plasma.
Retenhamos o exemplo da síndrome [e também do teste]: se o cortisol subir cronicamente o suficiente, teremos um quadro clínico de obesidade e de pré-diabetes.
Isso nos diz alguma coisa sobre as causas da obesidade e do diabetes. Sobre mecanismos envolvidos nesses processos patológicos.
O que a bioquímica já descobriu sobre cortisol alto: o cortisol tem a propriedade de bloquear o receptor da insulina, ou seja ele impede que a insulina possa operar sobre a célula para fazer o açúcar entrar.
Cortisol alto age como antagonista da insulina.
Esse é um fato bioquímico.
Enquanto o cortisol estiver alto no sangue a insulina, impedida de agir por conta daquela ação supressora do cortisol, tende a subir, em uma reação de tentar desesperadamente colocar o açúcar para dentro da célula; e, ao não conseguir, o resultado é que o açúcar tenderá a subir junto com a insulina. Sobra açúcar e sobra insulina, no sangue.
Estamos diante de um quadro diabético, passageiro, mas típico da diabetes.
Penso que ficou claro que foi possível, transitoriamente, com aquela injeção de cortisol construir um quadro de diabetes, transitório.
Fechemos o pano a partir dos fatos acima.
Agora pensemos na vida cotidiana, na conturbada relação entre nós e o cortisol. A vida real onde o estresse é uma realidade. Em um processo no qual - em grande medida por conta do estresse de todo tipo - temos muita gente com o cortisol cronicamente alto.
Na nossa vida real, pensemos: quais os elementos que fazem com que o cortisol tenda a subirɁ
Em primeiro lugar, claramente, o estresse, seja ele crônico ou intermitente.
O estresse tende a fazer subir o cortisol. É o hormônio do estresse por excelência [lado a lado com adrenalina e estrogênio]. Seu papel principal, mas não único, é produzir açúcar para a condição de estresse, a partir da destruição de tecidos.
Outra coisa que faz esse hormônio do estresse subir, como se viu no teste acima, o uso de corticoide; a medicina faz isso todo o tempo: usa e abusa terapeuticamente do cortisol.
Outra razão das mais importantes é a ocorrência de um processo de inflamação crônica ou, então, a obesidade. Sendo que o obeso é um inflamado.
Nos dois casos, seja por obesidade ou por inflamação, uma coisa leva a outra e a pessoa terá um nível basal de cortisol mais elevado. O cortisol alto provoca uma insulina alta, com resistência insulínica.
O que o teste acima revelou, de forma inequívoca, é que uma pessoa que passe por um processo de estresse, ou esteja em um processo inflamatório crônico/obesidade, tudo isso sendo traduzido em elevação do cortisol, ela terá tendência a desenvolver resistência insulínica. Isto é, pré-diabetes.
Ou seja, por conta do nível alto de cortisol permanentemente crônico, a pessoa apresentará uma tendência à elevação do açúcar plasmático com a simultânea elevação da insulina [novamente: uma insulina que aumenta sem poder agir nos seus receptores celulares, bloqueada pelo cortisol].
Eis aqui uma clara e contraditória relação da insulina com o cortisol.
Importantíssima de ser levada em conta no dia a dia, quando apresentamos estresse, cortisol alto, mas não paramos - nem os doutores - para juntar os pontos.
O obeso é um caso particular de estresse, já que ele possui, por definição, um nível basal de cortisol mais elevado, até pela razão de ele ser uma pessoa com inflamação crônica. E com lipólise crônica. Seu nível básico de cortisol será mais alto do que o do não obeso. Tem inflamação subclínica, detectável por alguns marcadores inflamatórios como a interleucina-6, PCR e o VHS.
Novamente: algumas reflexões sobre o que foi observado acima.
Aumentar o cortisol promove aumento da insulina em resposta ao bloqueio dos receptores da insulina nas células. Com receptores insulínicos bloqueados haverá subsequente resistência insulínica. O que isto quer dizerɁ Que está sendo mobilizada mais insulina para fazer entrar nos tecidos a mesma quantidade de açúcar de antes da resistência insulínica.
O nome da coisa é pré-diabetes.
Aqui está, a cores, a conexão estresse/diabetes.
Que a medicina oficial ainda não assumiu.
Mas existem outras relações. Por exemplo, entre os óleos insaturados, que, por sua natureza, promovem aumento do cortisol, inflamação, e diabetes. Também foi bem estabelecida a citada relação entre inflamação crônica e diabetes. Entre obesidade e diabetes.
Tanto a obesidade quanto a presença de óleos insaturados no plasma criam uma linha basal de cortisol mais alta.
E se é certo que aumento do cortisol aumenta a insulina, também é certo que é o aumento do cortisol inibe oxidação do açúcar, portanto aumenta a oxidação de ácidos graxos [o que seria tema para outra nota: cortisol promove a lipólise, o efeito Randle].
Por ora, deixemos ao menos registrada essa relação entre o cortisol e a lipólise, considerando que a insulina também será parte desse processo.
E que, em consequência, aumento do cortisol cursa com hiperinsulinemia, hiperglicemia e hiperlipidemia [e, novamente, lembrando que cortisol alto inibe a tireoide].
Neste caso, é preciso diminuir o cortisol para diminuir a insulina.
Não foi o efeito açúcar [da refeição], no caso, quem aumentou a insulina e sim o efeito cortisol quem produziu esse fenômeno.
Em resumo, o que se pretendeu com essa nota muito breve foi chamar atenção para a relação entre o estresse e obesidade, estresse e diabetes. Com o cortisol sendo mediador fundamental dessas patologias. Além de promotor ou agente essencial do estresse.
E, ao mesmo tempo, destacar o processo no qual o cortisol do estresse cria um efeito sobre o metabolismo do açúcar que é um efeito diabetogênico.
Entender a relação entre essas variáveis é importante na hora de entender a diabetes por exemplo. De onde ela vem [para além do mito médico disseminado de que diabetes é causado pelo açúcar].
E, de uma vez por todas, ir se dando conta do estratégico papel do cortisol na construção da doença crônico-degenerativa. E do quanto é importante desenvolver hábitos alimentares que não aumentem os níveis de cortisol.
GM Fontes, Brasília, 17-12-23
As informações aqui presentes não pretendem servir para uso diagnóstico, prescrição médica, tratamento, prevenção ou mitigação de qualquer doença humana. Não pretendem substituir a consulta ao profissional médico ou servir como recomendação para qualquer plano de tratamento. Trata-se de informações com fins estritamente educativos.
Referências ______________
[A] O nome do teste é supressão da dexametasona e consiste no seguinte. É injetada uma dose importante de um corticoide na pessoa - um corticoide chamado dexametasona, portanto mais potente que o usual – e o resultado prático que se segue é que a pessoa vai passar vários dias, em torno de seis dias, com a insulina alta e a glicemia alta. Os dois. Esse teste tem como objetivo fazer o diagnóstico da síndrome de Cushing. Quando a pessoa apresenta essa síndrome seus níveis de cortisol são cronicamente muito altos. A interpretação do teste: quando o paciente recebe aquela dose forte de cortisol [dexametasona], o ACTH liberado no organismo deve diminuir o recém chegado cortisol por mecanismo de feedback. Mas se o cortisol continuar alto após a administração da dose de dexametasona, isso indica uma doença, uma síndrome [Cushing] cuja principal característica é a produção copiosa e ininterrupta de cortisol. https://drpio.com.br/exames/detalhe/316
[B] Síndrome de Cushing é efeito de cortisol cronicamente elevado. A doença resulta de excesso de produção do hormônio adrenocorticotrófico, ACTH e costuma ocorrer por tumor hipofisário ou, também extra-hipofisário. Haverá obesidade do tronco, face em lua, pletora de bochechas, gordura supraclavicular, pernas e braços finos, hematoma fácil, bolsa de gordura cervical [giba de búfalo], estrias violáceas de pele, dedos muito finos. Fraqueza e desgaste muscular, pele fina e atrófica, má cicatrização de ferimentos. Hipertensão, osteoporose, intolerância à glicose, cálculo renal, distúrbio mental. A denominação síndrome de Cushing denota o quadro clínico resultante do excesso de cortisol resultante de qualquer causa [pode ter havido história de utilização de corticoides], ao passo que doença de Cushing refere-se à hiperfunção do córtex adrenal em decorrência do excesso de ACTH hipofisário. Pacientes com doença de Cushing quase sempre apresentam um pequeno adenoma na hipófise. Mulheres geralmente apresentam irregularidades menstruais. Em mulheres com tumores adrenais, o aumento da produção de andrógenos pode causar hirsutismo, calvície temporária e outros sinais de virilização.
Um paciente com suspeita de síndrome de Cushing, com concentração muito elevada de cortisol urinário livre (> 4 vezes o limite superior da normalidade), quase certamente apresenta síndrome de Cushing. Também deve-se medir o cortisol sérico basal (p. ex., às 9 da manhã). O cardápio da medicina para essa doença: alta ingestão de proteínas e a administração de potássio (ou fármacos que poupam potássio, como a espironolactona); inibidores [muito tóxicos] das suprarrenais como metirapona, cetoconazol e, raramente, mitotano ou fármacos mais recentes como osilodrostat e levocetoconazol; cirurgia ou radioterapia para remover tumores hipofisários, adrenais ou tumores produtores de ACTH ectópica; às vezes, análogos da somatostatina ou agonistas da dopamina para bloquear a secreção de ACTH, ou mifepristona, um antagonista do receptor de glicocorticoide. Diferenciam-se causas hipofisárias de não hipofisárias pelos níveis do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Pode-se administrar pasireotida ou cabergolina para suprimir a secreção de ACTH a pacientes com tumores hipofisários recorrentes ou produtores de ACTH ectópicos disseminados. https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-end%C3%B3crinos-e-metab%C3%B3licos/dist%C3%BArbios-adrenais/s%C3%ADndrome-de-cushing
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